segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

IRENE, VERÔNICA DE SÃO MIGUEL ARCANJO

Ela cantava a mesma dor da santa mulher que tirou o véu com que cobria a cabeça e o entregou a Jesus, para que enxugasse seu rosto sangrado de amor a caminho do Calvário.
E a face de Jesus ficou no lenço para nunca mais ser esquecida.
Verônica. Santa Verônica.
Irene era nossa Verônica que cantava de dor. A dor do desamor.
A voz doída de Irene era o triste sinal de que almas afoitas esqueceriam a virtude para serem virtuais.
E o "Alô, como vai você" (Irene era telefonista) viraria três linhas de palavras abreviadas pela preguiça de ser gente e pela pressa de se desfazer das mensagens. A mesma pressa de quem envia, com a mesma preguiça de ser gente.
Nós, os mensageiros do fim do amor e de nós mesmos, não vamos sentir a dor da paixão de Irene nem a dor que é feita de suor e lágrimas no Calvário que é preciso percorrer para ser eterno e virtuoso. E não virtual e descartável.
Cante em paz, Irene.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

TAPICHI, O MENDIGO ETERNO. ÀS VEZES, ELE APARECE.

--- É você mesmo quem eu estou vendo?

--- Eu quem?

--- Tapichi! Você não é o Tapichi?

--- Desculpe, mas não respondo pergunta de bêbado.

--- Pelo amor de Deus, você é ou não é o Tapichi?

--- Bem, já que você insiste, eu sou o Tapichi.

--- Meu Deus do céu, ai, que eu bebí demais. Ai, que você já morreu.

--- Só morre quem é bocó. Quem não é bocó, continua no mundo a acender estrelas apagadas, igual a quem acende vela em procissão. Mas, se e é pra tremer de medo, volto agora mesmo lá pra cima.

--- Não, não! Fique Tapichi! Quero saber de umas coisas. Tudo bem?

--- Tudo, já que só bêbado me vê e é bom que assim seja porque ninguem acredita em conversa de bêbado e eu fico em paz.

--- Por favor, diga Tapichi: o que você acha do Góes?

--- Góes? O diácono? Ele está bem demais com o pessoal lá das alturas. Só ouvi elogios sobre o presépio que ele montou. E tem até anjo com inveja da imagem de São Miguel Arcanjo que ele talhou em madeira.

--- Jura, Tapichi?

--- Não juro e nunca jurei na vida. Só jura quem é falso e mentiroso.

--- Outra coisa, Tapichi: como é que você fala tão bem agora, se antes só resmungava?

--- Eu resmungava, mas sabia tudo. E quem falava tudo, não sabia nada. Agora falo claro porque você está bêbado e vai esquecer a conversa. E com licença que vou voltar lá pras alturas de Deus. Dê um abraço no Góes e fale que se ele precisar de algum conselho, que peça pra mim e lave bem a orelha direita, que é lá que eu vou falar quando ele estiver dormindo.

(Imagens cedidas pelo Jairinho Costa)

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

REFLEXÕES DE FIM DE ANO


Não fique triste por suas rugas. Nem por suas rusgas.
Nem esconda de mim nem de ninguém vincos nunca vistos num sorriso nem as sombras nunca vistas sob seu olhar.
Nem esconda de mim esses cabelos que lembram a paz.
Por favor: deixe a luz do quarto acesa, não apague o amor, que o amor procura a sua cama para se deitar a dois.
***
Amei sempre os urubus, meus mensageiros de São Miguel.
Sabem de sua feiúra e se elevam às alturas.
Sabem de sua mudez e cantam o silêncio.
Sabem de todas as quimeras e recolhem os restos dessa nossa felicidade passageira.
Sabem que ao pó retornaremos e vestidos de negro fazem versos com o vento que nos espalhará no Sem Fim.

sábado, 23 de outubro de 2010

ESSA NOSSA PEQUENEZ

EU ME SINTO TÃO INSIGNIFICANTE TODA VEZ QUE VEJO UMA JOANINHA.
EU QUE FUI TÃO ARROGANTE.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

SEMANA DA SAÚDE BUCAL

Eram de Nayler Miguel os dentes que davam orgulho à cidade de São Miguel Arcanjo e inveja a Pilar do Sul e Capão Bonito.
Nayler Miguel quebrava com os dentes pernas de cabrito assado e talvez tivesse força para segurar pela boca os que ainda estavam vivos.
Romeu, seu filho, herdou os dentes do pai e sempre os usou para sorrir, nunca para morder.
Diziam que a cebola era que dava essa saúde bucal sem igual (cientificamente, só o mau hálito foi comprovado).
Agora, os que misturavam farinha de milho ao leite de vaca, ao feijão do almoço, nas paçocas de Iguape ou comiam bolinhos de frango do Chico Rosa, ah, pegaram cárie brava e sorriam com manchinhas pretas nos dentes. Essas manchinhas viravam buracos e não demorava muito para se transformarem em zonas de perigo. Os dentes, todos os dentes, caiam nesses buracos e sumiam para sempre.
Surgia assim a freguesia do Eduwirge Monteiro e dentaduras de todos os tamanhos sorriam nas prateleiras, com cheiro de astringosol.
Diz a lenda que por falta de prática, a primeira dentadura de São Miguel Arcanjo caiu no buraco da privada, depois que o dono foi surpreendido de porta aberta e se levantou às pressas assustado de boca aberta. Lendas, lendas.
Enfim, comemorem a Semana da Saúde Bucal escovando os dentes. Mas, cuidado: escovem na boca, não nas mãos, que aí tudo pode despencar.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

FLOR DE ABÓBORA

Há certos dias em que minha sombra procura se esconder
sob as sombras de um pé de abóbora
nos quintais de São Miguel Arcanjo.
E sob as sombras, minha sombra brincaria de amarelinha com
flores e borboletas também amarelas,
pequenas, efêmeras,
que vêm e vão e se enredam no
vento manso da manhã
e deixam de voar,
apenas pairam no ar,
em plena fé de se deixar levar
para onde o nada é tudo
e o tudo tem tamanho
de joaninha.


terça-feira, 28 de setembro de 2010

29 de Setembro. Dia de nosso Guerreiro Amoroso

Guerreiro, mas amoroso.
Nunca vi quando era menino sua espada cotucar nem de leve Joaquim Maestro se a banda desafinasse ou saísse do compasso.
Lá no andor, Ele fingia que nada ouvia e a procissão seguia tropeçando, porque havia pedras no meio do caminho, no meio do caminho também havia vira-latas, mas Ele nunca espetou com sua espada o rabo de nenhum.
Guerreiro, mas amoroso, Ele nunca castigou menino que soltava buscapé na frente da Igreja e que fazia velha desprevenida pular segurando a saia, pra ninguém ver as partes que ainda pegavam fogo.
Os bêbados da praça Ele sempre deixou dormirem em paz.
E das mãos dos loucos Ele tirava com cuidado os tijolos e as pedras.
Guerreiro, mas amoroso, Ele nunca impediu que as mulheres perdidas --- e que chamavam de mulheres da vida --- acompanhassem a procissão. E elas pareciam santas.
Do seu andor, a luz azul do amor descia serenando e serenava almas pecadoras e elas ficavam leves, voavam até o céu que cada um tem bem dentro de si e os passarinhos cantavam entre as badaladas dos sinos da Igreja.
Ele, guerreiro, mas amoroso, protege uma cidade. E talvez só espere uma coisa dos que o seguem em procissão: que façam dessa cidade uma cidade guerreira, mas amorosa.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

QUARENTENA DE SÃO MIGUEL ARCANJO III

Agradeço, São Miguel Arcanjo, por começar a entender um pouquinho dessa luz de Deus.
Eu agora quase sei que Deus é uma luz sem fim.
Eu agora quase sei que, atrás de Deus, estão as trevas também sem fim.
Quando Deus, por sua vontade, volta-se para as trevas, uma porção de luz se espalha e a pesada escuridão de nossa origem se desfaz.
E é na escuridão que mais se teme a Luz de Deus. E os demônios se encolhem.
Grato, São Miguel Arcanjo, por descobrir que eles se encolhem no íntimo jamais sondado de nós mesmos. O fundo de nossas almas é o fundo do Inferno, o abismo onde nos escondemos.
Os demônios sempre se multiplicaram no mesmo lugar: dentro de cada um de nós. Formaram ali uma legião e ali fogem da luz de Deus.
Mas, se a luz de Deus nenhum de nós suporta, alguém a conduz em ondas suaves e com boas e justas mãos.
Quem apanha a luz de Deus na própria fonte e a conduz até as trevas mais distantes?
Eu agora começo a saber quem é. Eu acho que quase sei: é São Miguel Arcanjo.
Grato, por essa luz que nos livra da mínima existência e nos abre os olhos para o alto, para além de todas as montanhas.
(Do livro Sob as Sombras do Bem e do Mal, de Miguel Arcanjo Terra)

domingo, 22 de agosto de 2010

QUARENTENA DE SÃO MIGUEL ARCANJO - II



A minha segunda oração a São Miguel Arcanjo. Que seja a sua, também.
"São Miguel Arcanjo: Que eu volte a contar riqueza com pingos de chuva que caem de goteiras do telhado e batem como moedas de ouro em velhas bacias.
Que eu nunca tema o fogo da pobreza. E bendiga aquela lenha miúda em fogão de barro e mãe de fumaça.
Que eu ame todas essas mães feitas de fogo e água, que cozem, lavam e passam, pobres mães amassadas, que nunca levaram a vida em banho maria.
Que eu aceite como uma benção o chiado da chaleira e o cheiro de café de todas as manhãs. As manhãs tem cheiro de mãe. O café também.
Que aquela beleza divina continue a passar pelas faces de mães pobres. E que Deus limpe os rostos dos pais, sujos de terra ou carvão.
São Miguel Arcanjo: Que o dente de uma criança não doa mais à noite e que essa dor nunca mais passe às mães.
São Miguel Arcanjo: Que eu não adule para conquistar nem junte as mãos para pedir aos homens.
Que eu me lembre sempre do primeiro fruto que colhi com as próprias mãos.
Que eu entenda, enfim, que o poder supremo aparece em brilhos de areia, em trilhas de caracóis.
E que eu saiba que em porta com tranca Deus nunca bate."


quarta-feira, 18 de agosto de 2010

QUARENTENA DE SÃO MIGUEL ARCANJO


A minha oração. Que seja a sua, também.

"São Miguel Arcanjo de minha liberdade:

Que eu viva cada dia sem nenhuma intenção.

Que eu tenha a coragem de ser um menino vazio de medos e esperanças, nem bom nem mau, vadio e só.

Que eu ande e ande pelos campos abertos e sinta, sob vossa proteção, que longe é mais longe e mais longe eu vá.

Que eu nada mais peça a Deus, porque quando se está a salvo, Deus também está.

Que eu percorra a Eternidade, que é toda a distância num tempo parado.

Misturado à névoa da tarde, que eu volte à casa onde sempre estive, sem medo do castigo dos falsos guardiães do imensurável.

Que eu não deixe meu medo encurtar o tempo e alargar distâncias para voltar a mim.

Que eu não seja mais um prisioneiro de meu egoismo, a medir todos os passos.

Que eu ande descalço e faça de meus pés a base do meu templo.

Que eu não me envergonhe de me contemplar num espelho barato de quermesse.

Que eu não procure meu reflexo no olhar dos poderosos nem deixe que suas mãos pousem sobre minha cabeça.

Que eu reconsidere as margaridas que nascem por si mesmas à beira dos caminhos."

(Do livro Sob as Sombras do Bem e do Mal, de Miguel Arcanjo Terra.)

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

MUDANÇA DE ENDEREÇO

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sexta-feira, 23 de julho de 2010

E POR FALAR EM BOLINHO DE FRANGO


Moreno forte, um tanto engordurado, assim era o velho Odilon, mais conhecido que Graham Bell, inventor do telefone e que morreu de susto com a visão que teve em sonho de uma mulher nua na tela de um celular.
Odilon inventou o bolinho de frango, mas não morreu com a visão de um hamburguer. Nem teve indigestão. Morte natural.
Odilon ficava ali entre São Miguel Arcanjo e Itapetininga, um lugar chamado Gramadinho e ninguém sabe por quê. Nunca se viu grama por lá e o pó da estrada de terra pintava de
vermelho a capela, as sobrancelhas de moças na janela, a careca dos velhos sem chapéu e os bolinhos de frango que sobravam no balcão.
Gramadinho não era de São Miguel e muito menos de Itapetininga.
Gramadinho era de Gramadinho e muita gente que se achava grã-fina e vinha de Itapetininga torcia o nariz quando passava por perto.
Não dá para entender agora o bolinho de frango virar patrimônio cultural de Itapetininga, como decidiu a Camara de Vereadores.
O bolinho de frango tem um dono só, o Odilon de Freitas, e virou bolinho de todo mundo que passa com fome em beira de estrada.
Outra coisa: bolinho de frango virar patrimônio cultural é de fazer Nhô Bentico(*) se levantar no túmulo e bater o pó dos ossos desconsolado.

(*) Nhô Bentico ou Abilio Victor foi um grande jornalista, poeta e radialista de Itapetininga. Lembrem-se de Pitoco:
"Pitoco era um cachorrinho que eu ganhei do meu padrinho numa noite de Natá..."

sábado, 17 de julho de 2010

IGREJA DE SÃO MIGUEL ARCANJO EM REFORMA PARA VISITA DO BISPO EDIR MACEDO

O altar-mór de uma igreja católica, apostólica e romana é o templo sagrado, onde o santo padroeiro fica acima de nós simplesmente para que levantemos a cabeça em busca de Deus, que fica bem mais no alto.
O altar-mór de São Miguel (informação do Orlando Pinheiro) foi erguido pelos padres Humberto Ghizzi e Francisco Ribeiro, com o apoio da colônia Sirio-Libanesa. E todos nós aprendemos a buscar Deus nas alturas.
Mas, por que as igrejas de outras religiões não têm altar-mór?
Porque em igrejas de outras religiões nada existe acima do pastor, que se julga o próprio Deus. Tudo acima dele que desviar a atenção dos fiéis é retirado do recinto. Sozinho e sem rivais, como um ator principal de TV barata, o pastor doma o rebanho.
Imagine o cal que encobriria a decoração em afrescos da Capela Sistina, pintada por Michelangelo, Botticelli, Raphael e Bernini, se algum pastor fosse o maioral da paróquia.
E a Pietá, de Michelangelo, seria removida da Basílica de São Pedro, assim como já fizeram com a imagem de São Miguel Arcanjo.
Eu desconfio, meu Deus, que aqueles que mexem na Igreja de São Miguel seriam capazes de raspar numa reforma as paredes do Convento Santa Maria delle Grazie, em Milão, onde Leonardo da Vinci pintou a Última Ceia.
Também desconfio, meu Deus --- e é uma desconfiança terrível --- que toda essa reforma está sendo feita para que nada reste do altar-mór nem de imagens e o espaço fique branco e livre para que só Edir Macedo apareça. E ele seria o convidado especial para a inauguração da nova igreja.

domingo, 11 de julho de 2010

EM SÃO MIGUEL ARCANJO O MUNDO É MAIS BONITO QUE NA REDE GLOBO


A festa foi no Arraial da Penha. Sabe onde fica?
O Arraial da Penha fica embaixo do Cruzeiro do Sul, bem alí embaixo da estrela da direita.
Nunca viu? Bem feito.
Quem não olha para o céu nada vê mesmo.
Mas, quem olhou encontrou a maior festa, organizada na Casa das Sete Mulheres: Dete, Penha, Fátima, Dora, Abilinha, Silvia, Carmo.
Quase mil bolinhos de frango fritos na hora, quentinhos,mas nem precisava assoprar, que no sereno da noite eles pegavam o gostinho e a temperatura de um beijinho salgado, esses beijinhos de pipoca que se davam no cinema, antes de surgir o chiclé de bola e a Novela das Oito.
Nunca comeu um bolinho de frango?
É invenção caipira, mas se você não é caipira e prefere um hamburguer, tudo bem: passarinho que come pedregulho sabe o rabo que tem.
E havia bolo de fubá, havia pamonha, curáu, cuscuz, todas essas coisas com que se comemora a simplicidade de se amar uns aos outros. Porque o amor é uma coisa simples de se ver. Basta desligar a TV e olhar para o Cruzeiro do Sul numa noite clara.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

O BRASIL GANHOU

Imagine se a mediocridade vencesse outra vez. Ela que tem feito gato e sapato de nossa alma.
Imagine ter que engolir as lições do cárcere de Dunga, que prende a vida e o futebol brasileiro num canto amargo da boca.
Imagine ter de ver a Dilma e o Lula com a camisa da seleção e sem nenhum Brasil no coração.
Imagine só.
O Brasil ganhou. E cala a boca Galvão.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

A JABULANI É COISA DE SÃO MIGUEL

A primeira bola Jabulani do mundo foi do glorioso Esporte Clube São Miguel Arcanjo, nos Anos 40 do século passado. Uma criação do sapateiro Mingo Terra, feita com o couro de um boi velho do Anibal Coelho.
Pediram ao Padre Chico que lhe desse um nome. Ele sugeriu Viçosa. Acharam que era nome de vaca. Ficou Vesga Louca.
Por que um nome desses? Vesga Louca?
Por causa do efeito que ela pegava, um efeito estranho e retardado.
Nas cobranças de faltas perigosas ou nos penaltis a favor, nos jogos realizados em São Miguel Arcanjo, a bola era imediatamente colocada em campo no lugar da outra. Cuidavam dessa operação rápida e sorrateira um ou mais integrantes de um comitê criado especialmente para tanto e que Gijo Válio e Milton Sewaibricker dirigiam quando estavam um pouco bêbados.
Então, acontecia o seguinte: na cobrança do penalti ou da falta o chute era propositadamente fraquinho (só os jogadores de São Miguel conheciam o segredo), o goleiro fazia a defesa e quando todo importante quicava a bola no chão, ela pegava efeito e entrava no gol. Efeito retardado.
Pilar do Sul era o maior freguês da Vesga Louca, a primeira Jabulani do mundo.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

"DESCULPE, PAI"



CARTA ABERTA DE AILTON PARA SEU PAI MILTON SEWAIBRICKER


"Pai, desculpe pai, mas deixei cair no rio Paraná sua vara de pescar.
Um filho perder a vara de pescar do pai é o maior dos pecados. Mas, juro que não foi distração nem bebedeira, a vara escapou de repente de minha mão com molinete e tudo e --- tchibum --- foi pro fundo do rio.
Então, me deu um nó na garganta e uma vontade de chorar. Aquela vara verde, com detalhes de madeira e couro, era a lembrança sua que eu carregava rio acima, rio abaixo, até conversava com ela, pedia conselhos e se alguma coisa não deu certo é porque fico meio surdo quando bebo e não devo ter ouvido direito o que a vara dizia.
Mas, nas vezes em que prestei atenção, quando rezei com a vara de pescar na beira do rio, a sorte sempre esteve comigo e Tucunaré nenhum fez gracinha na minha frente. Não perdi um.
Pois, é, pai: perdi sua vara de pescar. Desculpe.
Mas, não sei porque, alguma coisa está me dizendo que não perdi a vara. É que a pescaria estava tão boa que eu desconfio que você desceu lá do alto e pegou a vara emprestada só para dar umas fisgadinhas. Tomara que sim. E que minha mãe Maria e meu irmão Luiz tenham ficado felizes com isso, ali na beira do Paraná, disfarçados de passarinhos."

segunda-feira, 31 de maio de 2010

MIGUEL ORTIZ. 73 ANOS DE JANELA.

Miguel Ortiz de Camargo. Miguel Ortiz. Simplesmente Ortiz. Ou Miguel.
Meu tio Miguélzão. Eu sou o Miguelzinho.
O tio mais novo que eu tenho.
Tio ou irmão? As duas coisas.
Com ele tive minha primeira lição de mulher. Confesso que me assustei um pouco. Não imaginava que nem tudo eram flores ou perfumes.
Com ele aprendí que um viado de quatro nunca fica de pé, mas um viado de pé sempre fica de quatro.
Com ele varei cerca de arame farpado para colher laranja no quintal do vizinho.
Com ele fui coroinha e só deixei de ser quando certa manhã ouvi seu grito lá no fundo da casa paroquial: Corre, corre, Miguelzinho, que o padre qué comê nóis. E até hoje a gente corre.
Com ele nadei pelado pela primeira vez e arrisquei uns puns na piscina do Abdalla Jabur para ver se subia bolinha. Não subiu nenhuma.
Com ele toquei na banda, joguei bola, pião, bolinha de gude, fui toureiro de bode e cabra vadia, até que um dia a jardineira do Bento França me levou embora e me perdí da infância.
Mas, engraçado, a infância sempre volta para quem não é morto vivo.
E a sombra agora a meu lado, aqui na Avenida Paulista, em São Paulo, tenho certeza que é a dele.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

DIÁRIO DA COPA (da África do Sul para São Miguel Arcanjo)






ROBINHO ESTRESSADO

"Não sei se é a solidão, professor Dunga, eu não sei. Sabe, ficar tanto tempo num lugar só, as mesmas pessoas, o mesmo papo, as mesmas brincadeiras de rodinha, acho que estou ficando doido. Sabe professor? Só vejo zebra na minha frente, a mesma zebra sempre. O que eu faço, professor Dunga? Me ajude. Não suporto mais ver zebra. Hen? Meu nome? Claro que é Robinho. Onde estou? Aqui, professor. Aqui onde? Africa do Sul, professor. Professor: meu problema é ver zebra, só isso, o resto está normal. Hen? Mentalizar que eu posso apagar as listras da zebra? A força do pensamento? Isso é bom? Já estou tentando, professor, estou tentando. Ai, nossa, que legal, as listras da zebra estão sumindo, sumindo, sumiram. Todas as listras sumiram, professor, graças a Deus. E agora? Agora só estou vendo um burro na minha frente."

DIÁRIO DA COPA (Da África do Sul para São Miguel Arcanjo)


DUNGA PREOCUPADO COM A MOLEZA GERAL
"Desculpem, mas não dá, assim não dá.
Como técnico da seleção preciso acabar com essa moleza.
Não posso admitir que jogador meu cochile enquanto se exercita.
Daí, minha decisão, que é irrevogável. E se é radical, o problema é meu, os jornalistas que vão pentear gorilas.
Amanhã, voce, Paixão, e você, Fábio, coloquem os jogadores em formação no meio do campo. Só isso, mais nada. Mas, estejam com suas pranchetas para anotar impulsão, velocidade, jogo de cintura, reflexos condicionados, espírito de cooperação.
Nosso querido presidente Ricardo Teixeira teve uma idéia genial para acabar com a pasmaceira nos treinos da seleção.
Ele alugou um leão, que será solto pelo domador no meio de campo amanhã.
O treino começa quando o primeiro jogador perceber o leão."








segunda-feira, 17 de maio de 2010

FALTA NESTA COPA O PICOLÉ DO SALOMÃO


Seu nome era ponto de referência em São Miguel Arcanjo: o bar do Salomão.
Ele trouxe para a cidade a primeira máquina de fazer sorvete e picolé.
O barulho do motor, os giros da espátula a misturar massas moles e coloridas, o bamboleio da pesada estrutura do equipamento, não havia menino que não se deslumbrasse.
Pesado de corpo e leve de alma, Salomão acrescentava ao sabor dos sorvetes e picolés o encanto de uma boa prosa.
Ele sempre dizia que três são as perdições do Homem: língua nervosa, estômago preguiçoso e a mulher do próximo.
Sua grande paixão: o futebol do zaqueiro Domingos da Guia, pai de Ademir da Guia.
Falava que foi o primeiro zagueiro a colocar a bola rente ao chão.
Ele contava uma velha história do Rei Salomão --- e brincava de dizer que era seu primo.
Numa tarde de muito calor, homens e mulheres foram enviados ao campo para apanhar melancias para o Rei Salomão. Mas, a o calor era tanto --- e a sede também --- que todos se esqueceram do Rei. Enfiaram suas cabeças casca a dentro e se lambuzaram na sua gula.
Então, o Rei Salomão condenou todos à mediocridade eterna. Viraram cabeças de melancia. Três milênios depois, elas continuam entre nós, ocas, apenas fazem eco. Algumas delas comandam a seleção brasileira.

domingo, 2 de maio de 2010

DOCES E ANTIGAS MÃES DE SÃO MIGUEL


Elas espalhavam todas as manhãs o cheirinho de tempeiro de feijão, bem na hora em que os sinos do relógio da Igreja Matriz batiam 10 vezes.
O relógio às vezes atrasava. A hora do tempero nunca.
Então, os maridos no trabalho e os filhos na escola sentiam de longe a fome bater. Mas, era fome de amor.
O cheirinho de tempero de feijão era o amor espalhado pelo ar. E dava vontade de correr logo atrás daquele amor que as mães de São Miguel serviam em pratos limpos sobre toalhas bordadas.
Elas ainda ofertavam, além de um amor bem temperado, a esperança. Passar de ano, tirar diploma. Plantar, colher, vender e pagar as contas. Tudo era possível depois do primeiro bocado. E nem era preciso mais que o torresmo e a couve do quintal, refogada, para disfarçar o arroz com feijão.
Na mesa, homens e crianças sentiam que havia uma Senhora de seus destinos, a Senhora mãe de fogão a lenha e café no coador.
Apagaram o fogo. As doces e antigas mães de São Miguel foram embora.
As novas, de laptop e celular, não sabem mais temperar feijão.
E assim o mundo vai acabando.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

O TIRADENTES DE SÃO MIGUEL ARCANJO

Esta é uma velha história que Cassiano Vieira contava:
"Eduvirge Monteiro foi o Tiradentes de São Miguel Arcanjo.O nosso herói.
Um dia apareceu um caboclo lá na casa dele, abriu a boca e mostrou um dentão deste tamanho.Falou meio resmungado, mas deu pra entender que estava doendo demais. Era coisa pra tirar logo.
O Eduvirge olhou para o caboclo e disse:
--- Senta aí.
O caboclo sentou. A cadeira de dentista ficava na sala.
O Eduvirge pegou o boticão que estava ali pelo chão e avisou o caboclo:
--- Vai doer. O negócio tá feio. Vê se aguenta.
Depois, mandou o caboclo tirar o paletó.
Já sem paletó, o caboclo abriu a boca e o Eduvirge grudou no dentão dele e vai não vai, desgraçado de dente, o Eduvirge bota o pé no peito do caboclo, força que força, puxa pra cá, puxa pra lá, o Eduvirge acaba derrubando a cadeira, com a cadeira vem o caboclo, o Eduvirge cai de costas, o caboclo e a cadeira em cima dele, e vai daqui, espera lá, aquela ferramentaiada espalhada pelo chão, a bacia dágua vira, a mulher do Eduvirge, dona Zica, entra na sala, vê tudo aquilo, grita que vai chamar a polícia, ihhh, o caboclo rola no chão, o Eduvirge não larga o dentão do caboclo, vira pra cá, vira pra lá, já durava uns quinze minutos aquele rolo ali na sala e então: Ploft!!!
Saiu o dentão do caboclo. E o caboclo de um lado gemia: ai, ui, ai, ui!!!E o Eduvirge do outro lado bufava: ufa, ahh, nossa!!!
Então, o Eduvirge ofereceu um copo de água com Anacol para o caboclo lavar a boca. E vai e vai e os dois ficaram ali e o caboclo gemia: ai, ui, ai, ui!!!
O caboclo acalmou-se um pouco e perguntou gemendo:
--- Quanto é?
E o Eduvirge respondeu bufando:
--- Dois mis réis, dois mil réis, ufa, ahhh, nossa!
O caboclo:
--- Tá muito bem.Valeu a pena. Um dinheiro bem empregado.
E foi embora.
Cinco anos depois ele volta para a casa do Eduvirge para arrancar outro dentão.
Bateu palmas. Apareceu na porta o Ademar Monteiro, filho do Eduvirges. Ele havia se formado dentista há pouco tempo. Diploma bonito na parede.
O caboclo entrou e já encontrou uma injeção da Bayer. E se é Bayer é bom. Tudo moderno.
A primeira coisa que o caboclo perguntou:
--- Cadê seu pai?
O Ademar respondeu:
--- Ele não trabalha mais. Está cansado. Agora o dentista sou eu.
O caboclo meio desconfiado:
--- Eu queria arrancar o dente.
O Ademar, muito educado:
--- Eu cuido disso.
O Ademar anestesiou primeiro as gengivas do caboclo, preparou uma injeção e tuque no lugar onde ficava o dente.
--- Doeu?
--- Não, doutor moço. Não doeu nada.
O Ademar preparou outra injeção e tuque.
--- Como é? Está doendo?
--- Não, doutor moço.
Então, o Ademar apanhou o boticão mais apropriado, ajeitou bem e Ploft!
--- Olhe o seu dente.
--- Ué! Já arrancou? Ué? Arrancou mesmo!!!
O Ademar passou um Astringosol e tal e coisa e o caboclo perguntou:
--- Quanto ficou o trabalho?
--- Dez mil réis.
--- Quanto???
--- Dez mil réis.
Aí o caboclo pulou da cadeira:
--- Ah, isso eu não pago. Não pago, não.
--- Mas, por que?
O Ademar estava espantado. E o caboclo continuou:
--- Pois, fique sabendo, doutor moço, que faz uns anos que eu estive aqui para arrancar um dente com seu pai. E olha que a gente lutou e rolou uma porção de hora aí pelo chão. E sabe quanto ele cobrou? Só dois mil réis. Agora, eu volto aqui, não sinto dor nenhuma, ninguém lutou nem nada, você arranca meu dente sem dor, um tempinho de nada e ainda quer cobrar dez mil réis pelo servicinho? Ah, não pago.
O caboclo foi embora e enquanto saia pelo portão falava meio resmungado:
--- O seu pai sim é que era um Tiradentes de verdade.
Esse foi o primeiro cliente a dar prejuizo para o Ademar. Outros deram depois e o Ademar precisou se mudar para Sorocaba."

terça-feira, 6 de abril de 2010

JÁ É OUTONO EM SÃO MIGUEL ARCANJO

Por favor, olhem e me digam:
Ainda está florido aquele pé de Ipê?
Quem for de bom coração, que o abrace por mim, mas que seja bem cedinho. É que nessa hora o Ipê ainda terá em seu tronco água benta feita de orvalho para a paz da manhã.

Por favor, olhem e me digam:
As gotas de orvalho já demoram mais um pouco para cair das folhas e flores?
Quem for de bom coração, apanhe duas gotas na ponta dos dedos e me espere, que eu vou chegar em breve para lavar e amansar meu olhar com elas.

Por favor, olhem e me digam:
Algum pé de mexerica já amarelou carregado de frutos e pende além dos muros?
Quem for de bom coração, colha e guarde com cuidado meia dúzia de mexericas só pra mim e eu juro que vou engolir também as sementes e as semearei numa manhã qualquer num terreno sem dono para que cresçam e se multipliquem.

Por favor, olhem e me digam:

Ainda existe areião na estrada de Santa Cruz?

Quem for de bom coração, que apanhe um grão de areia e repare bem se não é uma estrela. Se não for, não faz mal, porque ela será um dia e brilhará à noite no céu de São Miguel Arcanjo e eu terei minha cabeça serena sob o sereno do Outono.




quinta-feira, 25 de março de 2010

ANIVERSÁRIO DE SÃO MIGUEL ARCANJO. PRIMEIRO DE ABRIL!

Tapichi, no seu mundo transparente.

Tapichi, o mendigo eterno (às vezes, ele aparece), manda de seu mundo transparente uma mensagem em razão do aniversário de São Miguel Arcanjo.
"É Primeiro de Abril, meus amigos. A cidade não existe. Nem você nem eu.
Se a cidade existisse (eu e você, também) a gente iria comprar picolé de groselha no bar do Salomão. Mas, cadê o Salomão?
Se a cidade existisse, a gente passaria no Abdalinha para rir com ele e comer um Bauru. Mas, cadê o Abdalinha?
Se a cidade existisse, a gente pediria ao Jorge ou à Tia Amélia um quibe ou um pastel, feito assim na hora, com barulho de óleo quente na frigideira, barulho de mãe. Mas, cadê o Jorge e a Tia Amélia?
Se a cidade existisse, o Suel estaria no balcão, ali bem na esquina da praça, a dizer em seu silêncio que para ser santo não é preciso ir a Roma nem ver o Papa. Basta ser manso de coração e perdoar as dívidas e os devedores. Mas, cadê o Suel?
Se a cidade existisse, o Lauro e suas lindas filhas estariam na padaria a dividir o pão da manhã e a confiar na palavra ou caderneta dos que não liam o aviso: Fiado só amanhã. Mas, cadê o Lauro e suas lindas filhas? E cadê os pães da madrugada do Chico Rosa, que eram passados pela janela para bêbados famintos que chegavam das serenatas com a fome de quem cantou muito, para tantas moças, mas comer que é bom, nada?
Se a cidade existisse, o Décio do Policarpo estaria com roupas novas e pose de galã para dançar com a garota mais cobiçada, no salão do clube Bernardes Júnior, e os mais feios morreriam de inveja. Mas, cadê o Décio?
Se a cidade existisse, João Ortiz, no saxofone ou clarinete, Zé Ortiz na bateria, Darcy Ortiz nos pratos, Tonico Ortiz no trompete e Joaquim Maestro na regência estariam tocando um chorinho, talvez de Pixinguinha ou Zéquinha de Abreu, para que almas se encantassem e percebessem que a vida só é vazia para quem não percebe a Lua Cheia. Mas cadê o chorinho? E quem liga para Lua Cheia nestes tempos?
Se a cidade existisse, o goleiro Dito Torto, os beques Romeu e Salvador Costa, o center-half Trincheira, o ponta Valdemar Coelho, o meia Nê Terra--- e tantos outros heróis--- estariam com o uniforme de guerreiros do Esporte Clube São Miguel para enfrentar os invasores de Pilar do Sul ou Capão Bonito. Mas cadê o campo de terra e de guerra?
Se a cidade existisse, o Cine São Miguel, às oito da noite, tocaria a última chamada e Pedrinho Ortiz, na portaria, resmungaria pelo atraso dos que deram um giro a mais na praça. Então, mãos no escuro apalpariam zonas proibidas e os que tinham esperança de um beijo mascariam chiclete e ficariam com água na boca os que estavam sós.
Mas, cadê o cinema do Foued?
Cadê o sorriso da Arima na loja do Harif?
Cadê a graça da Carmem Fogaça?
Cadê o canto de Irene, um canto triste na Via Cruxis de Jesus?
Cadê o palavrão do Zacarias ou do Elias?
Cadê a barriga do Nagib?
Cadê os exageros do Abrão Hakim?
Cadê os resmungos do Pajé?
Cadê o chapéu do Nestor Fogaça?
Cadê o vozeirão do Zé França?
Cadê o salão de barbeiro do Paulico?
Se a cidade existisse, haveria leilão e Cassiano Vieira gritaria: Quanto me dão por este leitão?
Ah, se a cidade existisse, que bom seria.
Mas, é Primeiro de Abril. São Miguel Arcanjo e todas as cidades brasileiras viraram mentira com a novela das oito, com o futebol do Galvão Bueno e seus clones e com o Big Brother. E nada mais existe: nem você, nem eu."


sexta-feira, 12 de março de 2010

POR QUEM OS SINOS DOBRAM


28.08.1940
10.03.2010


ANTONIO TERRA, O TONINHO,
SE TORNOU INVISÍVEL


Os olhos verdes, o sorriso tímido, o corpo de um Adonis, capaz de caminhar léguas de São Miguel a Iguape, andando com fé, que a fé não costuma falhar.

O Sim escancarado para a vida e o Não sempre escondido.

O sábio recato e mansidão de quem não cai nem perde a compostura depois da penúltima dose. E se cair, Deus levanta.

O amor declarado sem palavras, mas na ternura de um olhar.

O brio de vencer dores e desgostos quieto e sem lamentações.

Menino-homem, Homem-menino, Toninho acaba de se tornar invisível.

Talvez agora ele seja um vento manso que ondula os trigais.

Talvez uma réstia de luar que serena os namorados.

Talvez a chuva mansa que bate em humildes telhados e faz uma criança dormir.

Agora, invisível, Toninho é tudo o que sempre foi e nenhum de nós teve olhos para ver.

Talvez, um dia teremos e os sinos da Igreja Matriz de São Miguel Arcanjo serão ouvidos bem longe.


Homenagem de seus irmãos Inês, Gracinha, Miguel, José Carlos, Luiz Carlos. Da mulher, Carmélia. Dos filhos Ricardo e Patrícia. E de todos os netos, cunhados e sobrinhos.






sábado, 27 de fevereiro de 2010

Dia Internacional da Mulher. Uma homenagem às Carulas do Mundo.


Menino de uns seis anos, eu era um pouco bocó e me encantava à toa.
Os vôos de urubu bem lá no alto ou as trilhas brilhantes que as lesmas riscavam na areia me deixavam pasmado e quieto, com o olhar parado de quem saiu de si, foi passear e se esqueceu de que corpo sem dono o bicho pega.
Dos mistérios da vida, só dois mexiam comigo: o cemitério e a Casa da Carula.
O cemitério conhecí logo e até gostei do mel que o Dito Coveiro recolhia de favos que as abelhas faziam nas caveiras de defuntos pobres, que eram empilhados, depois de secos, em valas comuns.
Agora, a Casa da Carula nunca vi de perto. E de longe, pelo menos de dia, era igual a todas as outras.
Mas, à noite, o mistério continuava lá e eu ouvia as mulheres falarem, com raiva ou ciúme, coisas assim:
Ele passou a noite na Casa da Carula. Tem cabimento uma coisa dessas?
Ou:
O Padre entrou disfarçado de mulher na Casa da Carula. Quem me contou jura que é verdade.
Ou:
O que é que a Carula tem que eu não tenho? Ela gritou assim e foi embora para a casa do pai.
Ou:
Com tantas dívidas, ele queria beber formicida. Mas, passou na Casa da Carula, chorou um pouco e está aí sem vergonha e feliz.
Ou:
Aquela tristeza de viuvo já passou. Ele foi na Casa da Carula.
Ou:
Ele conheceu a mulher na Casa da Carula. Gostou e casou. E hoje ela é mais séria que muita mulher que reza o terço.
Ou:
Na Casa da Carula tem gemidos e ais, mas não é de choro.
Só muitos anos depois, o segundo mistério de minha vida se desfez. A Casa da Carula era o bordel da cidade, o lugar onde meninos viravam homens e homens viravam meninos.
E no Dia Internacional da Mulher, todas as Carulas do mundo merecem nossa homenagem, porque deram, porque se deram e porque tornaram os homens menos infelizes.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

CRIANÇAS DE VOLTA

Nivaldo, Martinha, Milton, Vicente, Ailton, Carlinhos, Neusa (titia), Maria Helena

A vida faz crescer as crianças.
Mas, tempos depois, a vida quer as crianças de volta, por uma questão de saudade.
Então, elas voltam, se reunem e posam para a fotografia.
Quem reparar bem na foto vai ver que existe uma boneca no chão, mais de uma, são três bonecas (a de louça é de Tia Neusa).
Também dá para perceber bolinhas de gude, um caminhãozinho de madeira, uma bola de borracha (furada), um patinete, uma pipa, uma porção de lápis de cor, três pirulitos.
E quem foi que jogou no chão um palito de picolé de groselha?
Reparem mais na foto. Na frente de todos está um casal que sorri feliz. É um casal transparente e dourado. É preciso muito coração pra ver: Milton e Maria.
(Eles criaram a terceira geração Sewaybricker, via rua Joaquim Ortiz de Camargo, em São Miguel Arcanjo).

domingo, 31 de janeiro de 2010

SEMANA DE VELHOS CARNAVAIS. DE 1 A 15 DE FEVEREIRO. ANO 1. NÚMERO 45

Havia, sim, fio dental naqueles tempos. Mas se usava nos dentes. Não na bunda.
Do silicone nem se falava.
Os seios eram deliciosamente naturais e biquinhos sensíveis se arrepiavam quando se tocava neles. Mas, não ficavam à mostra e os namorados só sabiam do arrepio pelos suspiros e ais do não aguento mais.
As pernas das garotas não eram iguais às de Roberto Carlos, do Corinthians, ou do Boi, o grande atacante do glorioso EC São Miguel. Sem músculos, macias, bem torneadas davam vontade de ver o mundo de pernas pro ar.
Se uma daquelas garotas, num impeto amoroso, abraçasse seu namorado, ele não corria o risco de morrer asfixiado pela força dos braços que as mulheres têm hoje.
Eu me lembro do corpo frágil e delicado da Lurdinha Fogaça, a transitar com sua beleza suave pelo salão do Bernardes Jr.
Naqueles tempos, o único pó que se cheirava era o que subia no vai-e-vem de quem pulava. E o fuminho que se acendia quase sempre estava com a data de validade vencida.
Nenhuma moça dançava na boquinha da garrafa e isso dava a certeza absoluta de que não soltavam pum no salão.
Havia brigas, mas homem nenhum puxava o cabelo do outro, nem retocava a maquiagem depois, como acontece hoje em qualquer baile.
Não havia propaganda na TV para se usar camisinha. Naqueles tempos, ninguém esperava o Carnaval para dar ou levar uma pimbada. O Carnaval era apenas uma festa onde ricos e pobres, feios e bonitos, velhos e moços botavam pra quebrar as agruras da vida. E cantavam: Ei, você aí, me dá um dinheiro aí...
E os que não haviam resolvido seus complexos de Édipo, atacavam: Mamãe eu quero, Mamãe eu quero mamar...
Bons tempos em que João Ortiz e sua banda só tocavam marchinhas e sambas, com começo, meio e fim, sem a bagunça generalizada do Rap e outros absurdos musicais.
Hoje, o Carnaval se resume em bundas imensas que a Rede Globo faz questão de sacudir na nossa cara.
Mais triste é que são bundas artificiais, no tamanho e proporção do grande cocô em que transformaram o mundo.
Foliões de velhos carnavais, um conselho: fiquem em casa com seus pedacinhos coloridos de saudade.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

SEMANA DO SORRISO. DE 10 A 17 DE JANEIRO DE 2.010. ANO 1. NÚMERO 44

SORRIA
Um empreguinho
para o Pedro Bial

Tapichi, o mendigo eterno (às vezes, ele aparece), manda lá do alto avisar o apresentador de TV Pedro Bial: existe um servicinho pra ele no sitio da Dona Penha, na estrada para Capão Bonito. É coisa bem mais limpa que o Big Brother. Cuidar do chiqueiro.

***


Adolescente, inseguro, com todos os espelhos a me chamarem de feio, eu carregava meus complexos de inferioridade para São Miguel Arcanjo, nas férias de julho e fim de ano.
Mas, lá encontrava dois sorrisos que me faziam bem e eu aprendia a gostar de mim.
O sorriso do Romeu, irmão do Adib e do Dudu (filhos do "Naile") e o sorriso do Abdalinha, dono do mais gostoso bar da praça, me tornavam importante e bonito e eu sentia que era benvindo, sem precisar olhar no espelho.
Mais velhos que eu (o Abdalinha muito mais), os dois amansavam muitas vezes minha alma com um simples sorriso. Talvez o sorriso que você anda escondendo quando encontra o dentista, o soldado, o delegado, o credor, o devedor, o padeiro, o barbeiro, a cabeleireira, o mecânico, o eletricista, o marceneiro, o mendigo, o varredor de rua, o açougueiro, o velho no banco da praça, a velhinha na escada da igreja ou pendurada na janela, o caipira perdido da roça, o forasteiro de passagem pela cidade.
Aprendi com o Romeu e o Abdalinha que um sorriso pode aliviar o peso de uma alma, de quem dá e de quem recebe.
Sorria para o próximo que passar por você. A cidade de São Miguel Arcanjo vai ficar mais amorosa e simpática. E você mais feliz.


***
Antigamente, para conhecer a zona, os jovens de São Miguel Arcanjo passavam na casa da Carula.
Hoje, eles assistem a Novela das Oito.

***
Quando um homem beija em público a boca de outro homem ou é um santo ou é um louco ou é um sem vergonha.