segunda-feira, 19 de abril de 2010

O TIRADENTES DE SÃO MIGUEL ARCANJO

Esta é uma velha história que Cassiano Vieira contava:
"Eduvirge Monteiro foi o Tiradentes de São Miguel Arcanjo.O nosso herói.
Um dia apareceu um caboclo lá na casa dele, abriu a boca e mostrou um dentão deste tamanho.Falou meio resmungado, mas deu pra entender que estava doendo demais. Era coisa pra tirar logo.
O Eduvirge olhou para o caboclo e disse:
--- Senta aí.
O caboclo sentou. A cadeira de dentista ficava na sala.
O Eduvirge pegou o boticão que estava ali pelo chão e avisou o caboclo:
--- Vai doer. O negócio tá feio. Vê se aguenta.
Depois, mandou o caboclo tirar o paletó.
Já sem paletó, o caboclo abriu a boca e o Eduvirge grudou no dentão dele e vai não vai, desgraçado de dente, o Eduvirge bota o pé no peito do caboclo, força que força, puxa pra cá, puxa pra lá, o Eduvirge acaba derrubando a cadeira, com a cadeira vem o caboclo, o Eduvirge cai de costas, o caboclo e a cadeira em cima dele, e vai daqui, espera lá, aquela ferramentaiada espalhada pelo chão, a bacia dágua vira, a mulher do Eduvirge, dona Zica, entra na sala, vê tudo aquilo, grita que vai chamar a polícia, ihhh, o caboclo rola no chão, o Eduvirge não larga o dentão do caboclo, vira pra cá, vira pra lá, já durava uns quinze minutos aquele rolo ali na sala e então: Ploft!!!
Saiu o dentão do caboclo. E o caboclo de um lado gemia: ai, ui, ai, ui!!!E o Eduvirge do outro lado bufava: ufa, ahh, nossa!!!
Então, o Eduvirge ofereceu um copo de água com Anacol para o caboclo lavar a boca. E vai e vai e os dois ficaram ali e o caboclo gemia: ai, ui, ai, ui!!!
O caboclo acalmou-se um pouco e perguntou gemendo:
--- Quanto é?
E o Eduvirge respondeu bufando:
--- Dois mis réis, dois mil réis, ufa, ahhh, nossa!
O caboclo:
--- Tá muito bem.Valeu a pena. Um dinheiro bem empregado.
E foi embora.
Cinco anos depois ele volta para a casa do Eduvirge para arrancar outro dentão.
Bateu palmas. Apareceu na porta o Ademar Monteiro, filho do Eduvirges. Ele havia se formado dentista há pouco tempo. Diploma bonito na parede.
O caboclo entrou e já encontrou uma injeção da Bayer. E se é Bayer é bom. Tudo moderno.
A primeira coisa que o caboclo perguntou:
--- Cadê seu pai?
O Ademar respondeu:
--- Ele não trabalha mais. Está cansado. Agora o dentista sou eu.
O caboclo meio desconfiado:
--- Eu queria arrancar o dente.
O Ademar, muito educado:
--- Eu cuido disso.
O Ademar anestesiou primeiro as gengivas do caboclo, preparou uma injeção e tuque no lugar onde ficava o dente.
--- Doeu?
--- Não, doutor moço. Não doeu nada.
O Ademar preparou outra injeção e tuque.
--- Como é? Está doendo?
--- Não, doutor moço.
Então, o Ademar apanhou o boticão mais apropriado, ajeitou bem e Ploft!
--- Olhe o seu dente.
--- Ué! Já arrancou? Ué? Arrancou mesmo!!!
O Ademar passou um Astringosol e tal e coisa e o caboclo perguntou:
--- Quanto ficou o trabalho?
--- Dez mil réis.
--- Quanto???
--- Dez mil réis.
Aí o caboclo pulou da cadeira:
--- Ah, isso eu não pago. Não pago, não.
--- Mas, por que?
O Ademar estava espantado. E o caboclo continuou:
--- Pois, fique sabendo, doutor moço, que faz uns anos que eu estive aqui para arrancar um dente com seu pai. E olha que a gente lutou e rolou uma porção de hora aí pelo chão. E sabe quanto ele cobrou? Só dois mil réis. Agora, eu volto aqui, não sinto dor nenhuma, ninguém lutou nem nada, você arranca meu dente sem dor, um tempinho de nada e ainda quer cobrar dez mil réis pelo servicinho? Ah, não pago.
O caboclo foi embora e enquanto saia pelo portão falava meio resmungado:
--- O seu pai sim é que era um Tiradentes de verdade.
Esse foi o primeiro cliente a dar prejuizo para o Ademar. Outros deram depois e o Ademar precisou se mudar para Sorocaba."

terça-feira, 6 de abril de 2010

JÁ É OUTONO EM SÃO MIGUEL ARCANJO

Por favor, olhem e me digam:
Ainda está florido aquele pé de Ipê?
Quem for de bom coração, que o abrace por mim, mas que seja bem cedinho. É que nessa hora o Ipê ainda terá em seu tronco água benta feita de orvalho para a paz da manhã.

Por favor, olhem e me digam:
As gotas de orvalho já demoram mais um pouco para cair das folhas e flores?
Quem for de bom coração, apanhe duas gotas na ponta dos dedos e me espere, que eu vou chegar em breve para lavar e amansar meu olhar com elas.

Por favor, olhem e me digam:
Algum pé de mexerica já amarelou carregado de frutos e pende além dos muros?
Quem for de bom coração, colha e guarde com cuidado meia dúzia de mexericas só pra mim e eu juro que vou engolir também as sementes e as semearei numa manhã qualquer num terreno sem dono para que cresçam e se multipliquem.

Por favor, olhem e me digam:

Ainda existe areião na estrada de Santa Cruz?

Quem for de bom coração, que apanhe um grão de areia e repare bem se não é uma estrela. Se não for, não faz mal, porque ela será um dia e brilhará à noite no céu de São Miguel Arcanjo e eu terei minha cabeça serena sob o sereno do Outono.