segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

IRENE, VERÔNICA DE SÃO MIGUEL ARCANJO

Ela cantava a mesma dor da santa mulher que tirou o véu com que cobria a cabeça e o entregou a Jesus, para que enxugasse seu rosto sangrado de amor a caminho do Calvário.
E a face de Jesus ficou no lenço para nunca mais ser esquecida.
Verônica. Santa Verônica.
Irene era nossa Verônica que cantava de dor. A dor do desamor.
A voz doída de Irene era o triste sinal de que almas afoitas esqueceriam a virtude para serem virtuais.
E o "Alô, como vai você" (Irene era telefonista) viraria três linhas de palavras abreviadas pela preguiça de ser gente e pela pressa de se desfazer das mensagens. A mesma pressa de quem envia, com a mesma preguiça de ser gente.
Nós, os mensageiros do fim do amor e de nós mesmos, não vamos sentir a dor da paixão de Irene nem a dor que é feita de suor e lágrimas no Calvário que é preciso percorrer para ser eterno e virtuoso. E não virtual e descartável.
Cante em paz, Irene.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

TAPICHI, O MENDIGO ETERNO. ÀS VEZES, ELE APARECE.

--- É você mesmo quem eu estou vendo?

--- Eu quem?

--- Tapichi! Você não é o Tapichi?

--- Desculpe, mas não respondo pergunta de bêbado.

--- Pelo amor de Deus, você é ou não é o Tapichi?

--- Bem, já que você insiste, eu sou o Tapichi.

--- Meu Deus do céu, ai, que eu bebí demais. Ai, que você já morreu.

--- Só morre quem é bocó. Quem não é bocó, continua no mundo a acender estrelas apagadas, igual a quem acende vela em procissão. Mas, se e é pra tremer de medo, volto agora mesmo lá pra cima.

--- Não, não! Fique Tapichi! Quero saber de umas coisas. Tudo bem?

--- Tudo, já que só bêbado me vê e é bom que assim seja porque ninguem acredita em conversa de bêbado e eu fico em paz.

--- Por favor, diga Tapichi: o que você acha do Góes?

--- Góes? O diácono? Ele está bem demais com o pessoal lá das alturas. Só ouvi elogios sobre o presépio que ele montou. E tem até anjo com inveja da imagem de São Miguel Arcanjo que ele talhou em madeira.

--- Jura, Tapichi?

--- Não juro e nunca jurei na vida. Só jura quem é falso e mentiroso.

--- Outra coisa, Tapichi: como é que você fala tão bem agora, se antes só resmungava?

--- Eu resmungava, mas sabia tudo. E quem falava tudo, não sabia nada. Agora falo claro porque você está bêbado e vai esquecer a conversa. E com licença que vou voltar lá pras alturas de Deus. Dê um abraço no Góes e fale que se ele precisar de algum conselho, que peça pra mim e lave bem a orelha direita, que é lá que eu vou falar quando ele estiver dormindo.

(Imagens cedidas pelo Jairinho Costa)

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

REFLEXÕES DE FIM DE ANO


Não fique triste por suas rugas. Nem por suas rusgas.
Nem esconda de mim nem de ninguém vincos nunca vistos num sorriso nem as sombras nunca vistas sob seu olhar.
Nem esconda de mim esses cabelos que lembram a paz.
Por favor: deixe a luz do quarto acesa, não apague o amor, que o amor procura a sua cama para se deitar a dois.
***
Amei sempre os urubus, meus mensageiros de São Miguel.
Sabem de sua feiúra e se elevam às alturas.
Sabem de sua mudez e cantam o silêncio.
Sabem de todas as quimeras e recolhem os restos dessa nossa felicidade passageira.
Sabem que ao pó retornaremos e vestidos de negro fazem versos com o vento que nos espalhará no Sem Fim.