Menino de uns seis anos, eu era um pouco bocó e me encantava à toa.
Os vôos de urubu bem lá no alto ou as trilhas brilhantes que as lesmas riscavam na areia me deixavam pasmado e quieto, com o olhar parado de quem saiu de si, foi passear e se esqueceu de que corpo sem dono o bicho pega.
Dos mistérios da vida, só dois mexiam comigo: o cemitério e a Casa da Carula.
O cemitério conhecí logo e até gostei do mel que o Dito Coveiro recolhia de favos que as abelhas faziam nas caveiras de defuntos pobres, que eram empilhados, depois de secos, em valas comuns.
Agora, a Casa da Carula nunca vi de perto. E de longe, pelo menos de dia, era igual a todas as outras.
Mas, à noite, o mistério continuava lá e eu ouvia as mulheres falarem, com raiva ou ciúme, coisas assim:
Ele passou a noite na Casa da Carula. Tem cabimento uma coisa dessas?
Ou:
O Padre entrou disfarçado de mulher na Casa da Carula. Quem me contou jura que é verdade.
Ou:
O que é que a Carula tem que eu não tenho? Ela gritou assim e foi embora para a casa do pai.
Ou:
Com tantas dívidas, ele queria beber formicida. Mas, passou na Casa da Carula, chorou um pouco e está aí sem vergonha e feliz.
Ou:
Aquela tristeza de viuvo já passou. Ele foi na Casa da Carula.
Ou:
Ele conheceu a mulher na Casa da Carula. Gostou e casou. E hoje ela é mais séria que muita mulher que reza o terço.
Ou:
Na Casa da Carula tem gemidos e ais, mas não é de choro.
Só muitos anos depois, o segundo mistério de minha vida se desfez. A Casa da Carula era o bordel da cidade, o lugar onde meninos viravam homens e homens viravam meninos.
E no Dia Internacional da Mulher, todas as Carulas do mundo merecem nossa homenagem, porque deram, porque se deram e porque tornaram os homens menos infelizes.