segunda-feira, 27 de julho de 2009

SEMANA DA SOLIDÃO. DE 27 DE JULHO A 5 DE AGOSTO. ANO 1. NÚMERO 28



A VOCÊ, MEU AMIGO, QUE ANDA SE SENTINDO TÃO SÓ.
(Do livro Sob as Sombras do Bem e do Mal, de Miguel Arcanjo Terra)
1.
São Miguel Arcanjo da minha liberdade!
A segurança é a morte que eu não quero.
Ser livre e só, sem poder ou glória, me faz ser Deus de mim.
Se na Lei dos Homens me sinto louco, em Deus me interno.
Onde o êxito é reconhecido, não me vêem passar.
Onde o Homem está contra o Homem, eu não estou.
De mãos vazias, sigo meu destino sem vender minha alma.
2.
São Miguel Arcanjo da minha paz!
Na desordem do mundo, não ergo muros nem grades de ferro.
Nenhum bem quero, além da minha vida.
Deus não cuida das portas dos que recolhem provisões nos celeiros.
Nem dos corações dos que se inquietam com o dia de amanhã.
As minhas mãos vão se manter recolhidas.
E que nada tirem de mim, porque a vida é que se dá e cobra o que se toma.
3.
São Miguel Arcanjo da minha vida e morte!
Que eu viva e morra de instante a instante.
A dor que eu sentir, que não doa no tempo.
Na minha coragem de morrer, que eu salte as sombras do que foi.
E do que será não tema nenhum abismo.
Que na morte em vida, eu suporte a solidão e o fim dos sonhos.
E não me dobre diante dos homens.
4.
São Miguel Arcanjo da minha sabedoria!
Que a minha verdade não venha de tempos mortos.
Nem de palavras vãs ou falsas visões.
Deus quer renascer em nós.
Mas, continua sepultado sob palavras e imagens gastas.
Que eu veja, antes de pensar. E pense, antes de falar.
Assim, Deus me contará sua história.
E eu a guardarei só para mim, antes da curva do rio, além do sol da tarde, ao lado dos homens sem mundo.

domingo, 19 de julho de 2009

SEMANA DO AMIGO. DE 20 A 27 DE JULHO. ANO 1. NÚMERO 27

VIDA DE CACHORRO
Eles jamais traem um amigo. E morrem com ele ou à frente dele se preciso for. Fiéis e gratos, eles são as sombras vivas que correm, brincam e abrem os caminhos para o amigo passar. Infelizmente, esse amigo é o homem. E o homem sempre será amigo da onça e eles acabam abandonados.
(Eu lí no jornal Cruzeiro do Sul, junto com o Paulo Manoel, que em São Miguel Arcanjo os animais sofrem maus-tratos em canil superlotado e sem nenhuma estrutura. Dá vontade de morder os culpados)

Luís Carlos Felipe. Coração de São Miguel.

Ele tinha um jeito assim do cantor Sérgio Reis.
De chapéu na cabeça, mais parecido ficava.
Luís Carlos Felipe. Êta coração de ouro, que batia sem falhar pelos amigos e pela Terra, onde semeava o trigo pra tanta gente colher o pão.
Bate, bate, bate coração. Em gente boa, ele bate tanto e tanto bateu que parou.E a Terra abraçou de volta aquele que tanto gostava dela.
Luís Carlos Felipe. Coração de São Miguel.

terça-feira, 14 de julho de 2009

SEMANA DO ERA UMA VEZ. DE 12 A 19 DE JULHO. ANO 1. NÚMERO 26


Joaquim Maestro, além de maestro, era benzedor e filósofo na cidade de São Miguel Arcanjo.
Sentado num banco da praça, numa tarde qualquer, ele tentava acender o seu cachimbo.
Mas, o Vento do Mar soprava forte e o isqueiro apagava.
Então, chegou Cassiano Vieira, o leiloeiro da paróquia. Sentou-se ao lado de Joaquim Maestro, fez uma concha com as mãos, protegeu o isqueiro do vento, o cachimbo foi aceso em paz e pronto: fumaça no ar.
Joaquim Maestro soltou uma gostosa baforada e sorriu.
Cassiano Vieira puxou prosa.
--- Estou intrigado com uma coisa, Maestro!
--- Diga.
--- Como é que a gente entra no céu?
Joaquim Maestro puxou mais fumaça do cachimbo, soltou no ar, não cuspiu, por uma questão de boa educação, e respondeu:
--- Engraçado. Eu sonhei uma noite dessas que tinha morrido.
--- Não diga, Maestro.
--- Dei de cara com São Pedro e ele me olhou sorrindo. Perguntei: Aqui é o céu? E ele respondeu: Não, ainda não. O céu fica mais em cima. E me explicou: Está vendo essa escadaria? Está vendo essa caixa de giz? O senhor pega um giz e vai escrevendo em cada degrau o pecado que cometeu em vida. Quando terminar de escrever todos os pecados, a escada acaba e o senhor está no céu. Mas, quero avisar desde já: não adianta esconder pecado, porque a escada só acaba com todos os pecados contados. Então, comecei a escrever. Um pecado atrás do outro. Já estava até ficando cansado. E adivinhe quem eu encontro na escadaria, vindo lá de cima?
--- Quem, Maestro?
--- O Eduvirge Monteiro.
--- O falecido Eduvirge Monteiro?
---O meu compadre Eduvirge, que havia falecido há poucos dias. Fiquei tão contente que gritei: compadre, meu compadre! Que bom que você veio lá do céu me ajudar! E ele respondeu apressado, descendo a escadaria: Que céu, que nada, Maestro. Vou pedir mais giz para São Pedro que o meu acabou.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

SEMANA DO PREFEITO. DE 1 A 8 DE JULHO. ANO 1. NÚMERO 25



"Exmo.sr. Prefeito:
Quero confessar o medo que tenho de perder minha cidade.
Não pense, senhor Prefeito, que é exagero deste cidadão.
É que na cidade onde nasci, há muito tempo atrás, existia uma escola de música mantida pela Prefeitura.
Crianças e homens feitos passavam por lá. Um tempinho de nada. E aprenderam nota por nota, compasso a compasso, como deixar Deus mais por perto sem necessidade de nenhum sermão.
Bastava um dobrado, uma valsa ou um chorinho e coração duro logo se amansava e olhar assim meio torto se endireitava.
Deus é feito de música, dizia Tapichi, o mendigo eterno, para quem entendia sua linguagem.
A música alivia o peso do concreto armado sobre nosso espírito.
Então, Música Maestro!
Essa é a ordem que andou faltando em tantas cidades que se acabaram.
Campinas, Ribeirão Preto, Sorocaba e estrada afora são muitas as que morreram ou agonizam.
A morte de que falo é feita de aço, ferro e cimento. A busca do superavit.
E o deficit fica com o espírito.
Uma cidade com o espírito em deficit está morta.
A Internet, a TV, o celular apenas disfarçam o cemitério onde a vida não tem mais sentido nem valor.
Para quem já está morto, matar não significa nada (os alarmantes indíces de violência estão marcados com cruzes em todos os cemitérios).
Música, Maestro!
Senhor Prefeito: como seria bom um despacho assim sair de seu gabinete. E de repente ressurgir uma escola, um mestre e novos músicos revelados.
Como seria bom rever as lâmpadas acesas no coreto, estantes arrumadas, a vida a dar uma volta num domingo feliz no largo da matriz.
Não se trata de saudosismo bobo.
A vida de volta é uma questão urgente. Antes que a morte nos separe dela.
Música, Maestro!"