segunda-feira, 30 de novembro de 2009

AS TRÊS PRAGAS DE UMA CIDADE. DE 1 A 8 DE DEZEMBRO. ANO 1. NÚMERO 39


Sabe ao lado de quem voou Tapichi no último Vento do Mar?
Tapichi, o eterno mendigo de São Miguel Arcanjo (às vezes, ele aparece), voou ao lado do índio Don Juan, bruxo e mestre de Carlos Castañeda nas suas peregrinações pelo deserto de Sonora, no México.
Tapichi, em pleno vôo, ouviu de Don Juan o seguinte recado:
Diga ao povo de São Miguel que a praga de uma cidade são as pessoas que se acham mais importantes que o Sol da manhã. A auto-importância, esse pensar só em si mesmo, cria três tipos de gente que atrasam o mundo. São estes os três tipos:
Os Mijos.
Os Peidos.
Os Vômitos.
Os Mijos são os puxa-sacos, esses aduladores que fazem um favor aqui, outro ali, cuidam disto ou daquilo e assim disfarçam que não têm nenhuma iniciativa própria e nunca chegam a nada por si mesmos. Sempre precisam de alguém que mande. Também esperam ser reconhecidos tanto quanto adulam. Como é impossível uma coisa dessas, sentem-se feridos e vivem chorando, encostados nos postes da vida.
Os Peidos são o lado avesso dos Mijos. Donos do mundo, vivem a interferir em tudo, não deixam ninguém em paz. Entram sem pedir licença. Saem sem se despedir. Não respeitam o espaço alheio. Com a maldita vocação para manda-chuvas, são capazes de matar para serem donos de qualquer coisa.
Os Vômitos vivem em cima do muro e acima do bem e do mal. Intocáveis e presunçosos. Mas, não passam de uma caricatura da realidade. Se ninguém prestar atenção na sua existência, eles se desfazem na insignificância de uma mariposa na boca de um sapo.
O recado do indio Don Juan foi dado. Agora, é com a consciência de cada um saber quem é Mijo, Peido ou Vômito. E se transformar depressa para o bem da cidade.


terça-feira, 24 de novembro de 2009

SEMANA DA CORAGEM. DE 24 A 31 DE NOVEMBRO. ANO 1. NÚMERO 38

Mãe Terezinha se dividiu em seis:
Dete
Fátima
Dora
Penha
Carmo
Abilinha
Essas seis se tornaram uma, igual à doce mãe multiplicada.
Doce mãe porque era mesmo um doce.
Pão doce, doce de abóbora, doce de cidra, chá de erva doce, a mãe Terezinha foi adoçando a alma das meninas e se alguma azeda de vez em quando é um azedinho doce.
Na casa dessas seis mulheres, a mãe Terezinha continua viva no inesquecível cheirinho de tempero de feijão, que sobe aos céus de São Miguel quando são 10 horas e o relógio da Igreja bate.
(Felicidade de um homem é feijão bem temperado à mesa e mulher destemperada na cama. Se mãe Terezinha ouvisse uma coisa dessas, mandaria as seis filhas já pra dentro)
Nunca houve destempero entre essas seis mulheres, porque a lição de mãe era a de espantar Coisa Ruim com a oração de São Miguel e prender as saias entre os joelhos quando soprasse o Vento do Mal, também chamado de Vento do Mar.
Na Casa das Sete Mulheres (porque mãe Terezinha continua entre elas) ninguém serve o pão que o diabo amassou aos que chegam cansados da vida. Muito menos água com açucar.
O pão é de Deus multiplicado e o café é mais forte que qualquer desconsolo.
Na Casa das Sete Mulheres, o medo da vida não entra. Nem o medo da morte. E a coragem não é de ranger os dentes, mas de sorrir.
Sorrindo da vida, sorrindo da morte, elas seguem o doce destino de fazer pão e fazer o bem sem olhar pra quem
.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

SEMANA DO TERÇO. DE 10 A 17 DE NOVEMBRO. ANO 1. NÚMERO 37

Um cesto porta-ovos, feito com lágrimas de Nossa Senhora ou contas do rosário.
O designer é de Fabíola Bergamo. A foto é de Marcelo Uchoa.
Tapichi, o eterno mendigo de São Miguel Arcanjo (às vezes, ele aparece), captou lá no alto, onde flutua, um ponto de interrogação. Correu à procura de Kabir, o santo-poeta que passou com seus versos pela Terra no Século XV.
--- Santo Poeta, estou em dúvida: ouvi falar e espalhei por aí que Deus gostaria muito que as mulheres rezadeiras fizessem cestas para ovos com as contas do rosário, enquanto puxam o terço. Depois de cada oração, sairia uma conta do rosário para montar a cesta. Se a fé agrada a Deus, fé e trabalho agradam muito mais. Falei bobagem?
Kabir disse: Não!
--- Eu também falei que Deus gostaria muito que as mulheres rezassem em silêncio. Falei bobagem?
Kabir disse: Não! Deus gosta de silêncio.
--- Mulher com as mãos ocupadas a montar cestas para ovos, enquanto puxam o terço quietinhas, isso não é uma benção?
Kabir disse: Sim, porque Deus é o eterno silêncio além do barulho do mundo.
--- Eu também falei que as vozes ardidas das mulheres rezadeiras incomodam muito o Senhor das Alturas, principalmente quando rezam à noite e desrespeitam a Lei do Silêncio, que é a mais sábia Lei de Deus.
Kabir disse: É no silêncio que os milagres acontecem.
--- Eu também falei para que reparassem nas galinhas. Em silêncio, elas esperam o grande milagre da passagem do ovo. Só depois que o ovo passa elas cantam, aliviadas.
Falei bobagem?
Kabir disse: Sim.
--- O silêncio é mais estrondoso que o trovão. Também falei que depois que a banda passa é tão gostoso o silêncio que fica. Falei bobagem?
Kabir disse: Não. No silêncio Deus fala. Silenciosamente.
--- Mas por que as mulheres falam tanto?
Kabir disse: Para cumprir um dos papéis de mãe. Se as mulheres não falassem tanto, nenhuma criança aprenderia a falar.
--- Tenho uma última dúvida: elas rezam o terço por uma questão de fé ou só para falarem mais um pouco?
Kabir disse: Isso só Deus sabe.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

SOL DE SÃO MIGUEL. DE 2 A 9 DE NOVEMBRO. ANO 1. NÚMERO 36

Numa saudade feita de domingo, eu sentí que o Sol de São Miguel tem cheiro de laranja madura que o vento vai espalhando por cima dos muros e deixa quem passa com água na boca.
Mas, o Sol de São Miguel é o mesmo Sol de quem está longe, retrucou certa vez nossa dona Sebastiana, professora e nossa dona no Grupo Escolar. É um Sol só, não existem dois, disse ela.
Será?
Acho que nossa dona Sebastiana errou a conta e digo com a plena certeza de quem vê as coisas com saudades daquele outro Sol que passa em São Miguel.
É um Sol diferente, de manhã ou à tarde. E por ser diferente é que galo nenhum fica indiferente e levanta a crista e canta.
Em outros lugares, de outro Sol, os galos vivem quietos e bocós, de crista caida, porque ciscam sombras tristes que os corações deixam pelos caminhos.
O Sol de São Miguel é para se abrir a janela depressa de manhã e avisar todas as Marias:
Abre a janela, Maria,
Que é dia
São 8 horas e o Sol já chegou
Os passarinhos fizeram seus ninhos
Na varanda do seu bangalô
Pergunte a um homem de ciência --- e que seja dos bons --- por que o Sol de São Miguel brilha mais numa gota de orvalho que outro Sol. Ele não vai saber responder. Mas, o Tio Miguér, o poeta da Terra, tem a resposta. É só pedir um verso, que ele conta.
POR FALAR EM SOMBRA
E ÁGUA FRESCA
Compare o que se ouve hoje por aí com o que se ouvia antigamente na farmácia do Antenor Moreira, em São Miguel Arcanjo, com direito a sombra e água fresca.
1.
Ele anda cansado. Pode ser depressão.
Ele anda cansado. Pode ser amarelão.
2.
Ela trabalha na Globo. É sapatão.
Ela trabalha descalça. Colhe algodão.
3.
Será que ainda existe jornal limpo?
Será que ainda existe gente que limpa com jornal?
4.
Ela chegou na TV com uma mão na frente e outra atrás. Tirou a mão da frente e acabou famosa.
Ela chegou em São Miguel Arcanjo com uma mão na frente e outra atrás. Tirou a mão da frente e acabou na Zona.
5.
Ele é tão metido a chique que chama médico de Nova York sem ter doença nenhuma.
Ele era tão metido a chique que só chamava médico de Itapetininga quando a doença já havia passado.
6.
Ele vai se separar. Ela entrou no círculo vicioso da TV.
Ele vai se separar. Ela entrou no circo vicioso do Peroba.
7.
É um garoto-problema.
É um fdp sem vergonha.
8.
O que sobra na nossa política é ladrão.
O que ainda falta na nossa política é um pouquinho de ladrão.
9.
Ele não tem vergonha de mostrar os chifres por aí.
Ele morreu de vergonha e foi enterrado ontem.